Fazer ou não fazer tomografia de baixa dose?

Instituto Oncoguia

 

Riscos e benefícios no rastreamento do câncer de pulmão

 

O diagnóstico precoce é um desafio na maioria dos tipos de câncer; contudo, é a forma mais eficaz de prevenir danos maiores com a progressão da doença. Em muitas situações a doença pode ser visível, a exemplo do câncer de pele, palpável, como no câncer de mama ou próstata ou emitir sintomas precocemente, a exemplo dos pequenos sangramentos que ocorrem no câncer de cólon.

 

Infelizmente, o câncer de pulmão e outros órgãos internos do nosso corpo não emitem sinais ou sintomas até quando ocorre a progressão da doença. No caso do pulmão, os achados podem estar relacionados ao entupimento das vias aéreas, sangramento com a tosse ou mesmo uma perda de peso acentuada não intencional. Isso tudo não é específico do câncer, podendo significar uma infinidade de problemas. Sendo assim, essas ocorrências sempre merecem uma avaliação minuciosa pelo médico clínico geral ou especialista.

 

Mas, se o câncer de pulmão não emite sinais ou sintomas no começo, o que fazer?

 

Primeiramente, devemos entender os fatores de risco para esse tipo de câncer. O que não é difícil; pois cerca de 80 a 90% dos casos diagnosticados estão ligados ao tabagismo. Portanto, o fumante de longa data e acima dos 50 anos merece atenção especial na prevenção; mas mesmo após a cessação do tabagismo o risco continua elevado por muitos anos (recomenda-se prevenção com exames durante 15 anos após parar de fumar).

 

O tabagismo eleva o risco de câncer de pulmão em cerca de 25 a 30 vezes. Costumo citar como exemplo para entender a exposição ao risco um ex-paciente nosso: ele, piloto aos 54 anos continuava sendo fumante; então, perguntei qual a conduta se a sua aeronave tivesse naquele dia um risco de queda elevado em 20 vezes? Logicamente ele respondeu que não estaria autorizado a decolar. Pois bem, o fumante convive com risco elevado para o câncer e vários outros tipos de doença. Procurar ajuda e parar de fumar é essencial.

 

A ocorrência de casos de câncer de pulmão na família não é isoladamente razão para fazer exames. Contudo, fumantes acima dos 50 anos com casos assim na família devem ter uma preocupação extra.

 

Estar disposto para prevenção também exige atitude e entendimento. A prevenção secundária, que é sinônimo da detecção precoce, requer a realização de exames, e é preciso entender que quase todos os tipos de exames possuem riscos; mesmo riscos que não sejam tangíveis, como a ansiedade na espera dos resultados, ou mínimos como a exposição à baixa dose de radiação: os exames não são inócuos. A segunda parte do risco está associada à indicação de biópsias, ou mesmo cirurgias maiores para o diagnóstico e/ou tratamento.

 

O achado suspeito do câncer mais frequentemente encontrado é o nódulo pulmonar na TCBD. Contudo, sabemos que o nódulo é uma achado bastante comum. Quando analisamos nódulos de qualquer tamanho, quase todo mundo tem um ou vários. Em estudo recente, encontramos nódulos acima de 4mm em cerca de 40% das pessoas avaliadas com TCBD no Brasil. A investigação dessas pessoas mostrou-se segura e benéfica, com a realização de biópsias, sem complicações, em apenas 3% delas. Isso foi possível seguindo protocolos restritos já delineados com esse fim.

 

Mas, com tudo isso, onde encontramos o benefício?

 

A detecção precoce do câncer de pulmão é possível com a tomografia de baixa dose (TCBD), indicada para pessoas com alto risco para a doença: como idade entre 55 e 74 anos, fumantes por mais de 30 anos (ao menos 1 maço/dia) ou que tenham parado de fumar nos últimos 15 anos. Para esse grupo de pessoas foi encontrado benefício claro na redução de mortalidade devido ao câncer de pulmão; na ordem de 20%. Para entender bem esse benefício, basta compreender que a quimioterapia atualmente consegue essa reduzir a mortalidade em cerca de 5% dos casos de câncer; ou seja, estamos falando de um benefício 4 vezes maior com a sua detecção precoce.

 

Existem benefícios relacionados ao descobrimento, com a TCBD, de outras doenças passíveis de tratamento; dentre essas, doenças cardiovasculares como o aneurisma, ou problemas nas coronárias que merecem atenção do cardiologista. Calcula-se que o achado e tratamento de outras doenças possa trazer redução adicional de mortalidade em cerca de 7%. . Em linguagem informal, o exame “atira no que viu e acerta no que não viu”. Os acertos e erros da tomografia; é importante frisar: estão relacionados a análise especializada por um time treinado com o método. O time é composto por radiologistas, pneumologistas e cirurgiões do tórax.

 

Então é preciso entender que a recomendação do rastreamento, pelo seu médico, deve estar atrelada a centros médicos onde existem especialistas para o julgamento dos casos, e capacidade de realizar biópsias ou tratamento com técnicas pouco invasivas. Nesse aspecto, a radiologia intervencionista tem papel fundamental na investigação dos achados suspeitos e a cirurgia por vídeo ; conhecida como VATS do termo em inglês “video assisted thoracic surgery”, é componente importante para a resolução dos casos como mínima morbidade; isto é, pouca dor, recuperação rápida e mínima mortalidade, quase zero. Em grandes centros, a cirurgia principal para a cura do câncer de pulmão, lobectomia, tem mortalidade entre 0 e 0,5%; considerando que estas cirurgias ocorrem fora de programas de rastreamento, e os pacientes podem ter sintomas respiratórios, o que afeta a recuperação adequada.

 

Decidir realizar o exame para a detecção precoce do câncer de pulmão exige o entendimento, por parte do paciente e família, de todos os aspectos relacionados acima. Por parte do médico, é necessário o conhecimento da técnica e detalhes na realização dos exames e intervenções. Mas é preciso também reconhecer com humildade as situações onde existem limitações técnicas ou humanas, e não indicar o rastreamento em locais ou para pessoas onde o benefício não pode ser alcançado.

 

Ricardo Sales dos Santos

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Referências:

NCCN Guidelines for Patients: Lung Cancer Screening.
Santos RS, Franceschini J, Kay FU, Chate RC, Costa Júnior Ada S, Oliveira FN, Trajano AL, Pereira JR, Succi JE, Saad Junior R . Low-dose CT screening for lung cancer in Brazil: a study protocol. J Bras.Pneumol. 2014 Apr;40(2):196-9.
Late-Breaking Abstract Book. 51st Annual Meeting, Jan. 24-28, 2015.
http://www.oncoguia.org.br/conteudo/fazer-ou-nao-fazer-tomografia-de-baixa-dose/8072/913/

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